ECA e a LGPD
O tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes, devido à sua vulnerabilidade, exige especial atenção. O capítulo II da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) – lei nº 13.709/2018 – especifica, em sua seção III, a regulamentação desse tratamento. O artigo 14 destaca que os dados desses grupos devem ser tratados visando seu melhor interesse, conceito fundamentado no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O ECA esclarece que crianças têm até 12 anos incompletos e adolescentes têm entre 12 e 18 anos. Qualquer decisão sobre esses indivíduos deve priorizar o que é melhor para eles, podendo até superar os interesses dos pais.
A LGPD, alinhada com o ECA, enfatiza a proteção dos direitos desses jovens. O tratamento de seus dados exige consentimento específico de um dos pais ou responsável legal, assegurando transparência sobre os tipos de dados coletados e a forma como são usados. Um desafio ressaltado é confirmar que o consentimento foi realmente dado pelo responsável e não pela própria criança ou adolescente, tendo em vista a familiaridade deste público com as tecnologias.
“O ambiente digital, muitas vezes, é uma reprodução dos perigos do mundo real. Daí a imperatividade de normativas protetivas voltadas especialmente para o público mais jovem.”
Embora crianças e adolescentes sejam nativos digitais, frequentemente usam dispositivos pertencentes aos pais ou responsáveis. Como as informações, como dados de cartão de crédito, são facilmente acessíveis em dispositivos digitais, o risco de uso inadequado é alto.
A lei, buscando proteger a integridade dos mais jovens, estabelece que a coleta de seus dados não pode ser condicionada à participação em jogos ou apps, limitando-se ao estritamente necessário. Além disso, a LGPD permite a coleta de dados sem consentimento em situações de emergência, visando a proteção da criança ou adolescente, mas sem armazenamento ou compartilhamento dessas informações.
A LGPD traz inovações significativas para proteger os dados de crianças e adolescentes, reforçando a necessidade de transparência, consentimento e atenção ao melhor interesse do jovem, ao mesmo tempo em que apresenta desafios para as empresas no cumprimento dessas diretrizes.
O que dizem as pesquisas?
A pesquisa da TIC Kids Online Brasil 2018, realizada desde 2012 visa mapear os riscos e oportunidades no ambiente digital para crianças e adolescentes de 9 a 17 anos. O estudo revela que a integração da tecnologia na sociedade influencia diretamente esse grupo etário.
Na pesquisa, realizada em 23.508 domicílios em 349 municípios, foi revelado que 86% das crianças e adolescentes brasileiras nessa faixa etária estão online, representando 24,3 milhões de jovens. Entre as atividades online, 83% assistiram a conteúdo em vídeo, superando outros serviços, como mensagens instantâneas (77%) e pesquisas escolares (74%). 82% desses jovens utilizam pelo menos uma plataforma de rede social, com o WhatsApp ultrapassando o Facebook em popularidade e o Instagram mostrando o maior crescimento.
A maioria acessa a internet via smartphones, particularmente nas áreas rurais, com 93% usando celulares e 53% usando apenas celulares. A televisão também emergiu como um dispositivo de acesso, atingindo 32%. As diferenças de gênero são mínimas, exceto em certas áreas, como jogos online.
A presença marcante desses jovens no ambiente virtual reforça a necessidade de atenção à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei 13.709/18 ou “LGPD”).
Como está a situação global?
Nos últimos anos, reguladores globais têm intensificado a aplicação de leis de privacidade visando proteger os jovens online. Várias empresas, desde gigantes dos videogames até fabricantes de alto-falantes inteligentes, foram multadas por práticas consideradas inadequadas em relação aos dados dos menores.
Essa atenção dos legisladores não é injustificada. O cenário digital, muitas vezes, é uma reprodução dos perigos do mundo real. Problemas como bullying, compartilhamento excessivo de informações, automutilação, distúrbios alimentares, abusos e comportamentos viciantes encontram espaço e amplificação online. São exatamente essas questões que motivam os órgãos reguladores a implementarem regulamentações mais estritas.
Países e regiões estão tomando a iniciativa de estabelecer normativas protetivas. O Reino Unido e o estado da Califórnia, por exemplo, instituíram regras de design apropriadas à idade. Estas exigem que as empresas, ao desenvolverem suas plataformas, considerem a faixa etária dos usuários e adotem medidas de proteção de dados e privacidade condizentes.
“Na era digital, não basta apenas navegar; é preciso garantir que o mar de informações em que mergulhamos proteja nossos jovens de tempestades de vulnerabilidades.”
Nos Estados Unidos, a Lei de Proteção da Privacidade Online de Crianças de 1998 estabelece um marco. A lei restringe o processamento de informações de menores sem o expresso consentimento dos pais. Diversos estados norte-americanos foram ainda mais rigorosos, proibindo redes sociais de oferecerem seus serviços aos menores sem a aprovação parental.
Na Europa, o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) é referência no assunto. Apesar de ser uma normativa ampla, o RGPD reserva um espaço especial para o consentimento dos pais no tratamento de dados dos menores.
Recomendações para Empresas Online
Para as empresas que atuam no espaço digital, é essencial se adaptar a esse novo panorama. Algumas medidas recomendadas incluem:
- Avaliações de Impacto: As empresas devem analisar como seus serviços podem impactar os jovens, considerando vulnerabilidades específicas desse público.
- Garantia de Idade: Implementar sistemas eficientes de verificação de idade para garantir que os serviços estão sendo utilizados de forma adequada.
- Privacidade como Padrão: Configurações de privacidade devem ser rigorosas por padrão.
- Linguagem Clara: Termos de uso e políticas de privacidade devem ser facilmente compreensíveis.
- Minimização de Dados: Coletar apenas os dados estritamente necessários.
- Uso Ético da Tecnologia: Algoritmos e inteligência artificial devem ser usados de forma transparente e ética.
- Controles Parentais: Fornecer ferramentas para que os pais possam monitorar e controlar o uso dos serviços pelos menores.
- Segurança Robusta: Implementar medidas de segurança rigorosas para proteger os dados e a integridade dos usuários.
Conclusão
A proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital é não apenas uma prioridade legal, mas também uma responsabilidade social. A integração entre a LGPD e o ECA demonstra o empenho do Brasil em assegurar que os mais jovens, ainda que nativos digitais, não se tornem vulneráveis às complexidades do universo online. À medida que a tecnologia avança, a legislação precisa acompanhar, criando mecanismos que resguardem a privacidade e os direitos de nossa geração emergente.
Empresas, pais e educadores têm um papel fundamental neste processo, trabalhando juntos para garantir que o ambiente digital seja não apenas inovador, mas também seguro e propício para o desenvolvimento pleno de crianças e adolescentes. Esta aliança entre proteção de dados e os direitos da criança reforça a ideia de que, no coração da revolução tecnológica, o bem-estar humano deve sempre ser a prioridade máxima.